A VIOLÊNCIA INTERSECCIONAL ENFRENTADA POR MULHERES SURDAS E/OU MUDAS
Por Amanda Marques e Yasmin Nunes
21 dez. 2021
Kimberlé Crenshaw, teórica feminista e professora universitária estadunidense, em sua palestra para o TED, "The urgency of intersectionality", conta um pouco das suas observações da realidade que a fizeram cunhar o termo interseccionalidade. A partir da análise da violência policial nos Estados Unidos contra pessoas pretas, ela extrai a questão da violência policial contra mulheres pretas no país. Ela nos convida a caminhar pelo raciocínio, que poderia levar a uma conclusão errada, de que necessariamente as mulheres pretas estariam "enquadradas" na denominação maior, que seria: "pessoas pretas". Porém, no decorrer da palestra ela mostra como as camadas de dominação se intercruzam em relação à primeira parcela citada, de modo que, elas sofrem duas vezes, tanto por serem mulheres como por serem pretas.
A interseccionalidade é um conceito potente para enxergarmos as diferentes realidades e lutas que existem dentro do movimento feminista, pois é nítido como cada uma das camadas de dominação podem se acumular nos corpos femininos, tornando as lutas significativamente diferentes a depender do espaço social que se ocupa. Vale ressaltar que esse não é um conceito que busca segregar a luta feminista em diferentes núcleos que não conversam entre si, mas sim que quer olhar para essas particularidades ao invés de meramente ignorá-las.
Nesse sentido, uma das lutas que não aparecem em destaque no debate e com a qual tivemos contato por meio de um curta metragem intitulado "Seremos ouvidas" da Larissa Nepomuceno, que nos tocou e chocou muito, é a questão de mulheres surdas que sofrem violência de gênero. Essa violência se torna um problema interseccional à medida que elas não têm a sua voz ouvida pelo sistema policial que não possui acessibilidade para ouvir suas queixas. Alguns lugares do país, como os grandes centros, possuem intérpretes para relatarem tais denúncias, porém, não há uma documentação do relato da mulher e muitas vezes detalhes são perdidos no decorrer da interpretação. Nota-se que as mulheres do interior perdem ainda mais direitos, em relação às dos grandes centros. Outro fator importante é que, caso elas necessitem de uma ajuda mais imediata, também não conseguem ligar para a delegacia.
Diante disso, percebe-se a pouca acessibilidade para que pessoas com deficiência possam buscar ajuda quando submetidas a situações de violência de gênero em âmbito universitário. Sabe-se que, por questões operacionais e estruturais, a faculdade por vezes não se mostra apta a atender, em sua totalidade, as demandas dessas mulheres. Desse modo, encontramos um cenário que reflete pouca inclusão, uma vez que, tanto os profissionais do meio acadêmico, quanto os demais discentes, apresentam dificuldades no processo de comunicação, fator esse que obscurece a transmissão de informações e as denúncias. O assédio e a violência contra mulheres surdas e/ou mudas segue velado em um espaço onde propaga-se tamanho conhecimento técnico e teórico, mas peca na oferta de garantia dos direitos fundamentais intrínsecos à essas cidadãs.
Por fim, cabe ressaltar o impacto simultâneo de discriminações e opressões vivenciados por essas vítimas, que lidam com a sobreposição entre sexismo, capacitismo e machismo, além da inacessibilidade no processo voltado à apresentação de suas queixas e solicitação de seus direitos. Assim, percebe-se o quão imprescindível é a implementação de profissionais preparados para acolher e orientar essas mulheres, bem como a propagação de conhecimento aos acadêmicos para que os problemas de transmissão sejam cada vez menos recorrentes e elas não percam seu direito a ter direitos, de modo que, esses sejam exigidos e assegurados.
Nesse sentido, é fundamental que a Universidade invista em projetos para atender as necessidades dessas mulheres. Na Universidade Federal de Uberlândia temos o Coletivo Acolhidas e o Todas Por Ela, voltados ao atendimento de mulheres no contexto de violência de gênero, porém, ainda se faz necessário o investimento em capacitações e eventos que levem em conta essa problemática, conjuntamente ao atendimento humanizado já prestado, a fim de garantir o melhor auxílio possível à essa parcela da população.