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PORNOGRAFIA E SUA CONSEQUÊNCIA NA SOCIEDADE

Por Laura Barbosa de Souza
10 novembro. 2024

A pornografia está cada vez mais presente e acessível entre os indivíduos em nosso país, com sua introdução na vida dos jovens acontecendo, em média, aos 12 anos de idade, segundo um estudo feito pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Em poucos cliques, é possível encontrar conteúdo pornográfico de diversos tipos nos mais diferentes espaços — até mesmo nas redes sociais, como o X (antigo Twitter; que tem uso liberado pela plataforma a partir dos 13 anos de idade), imagens explícitas são facilmente compartilhadas. Tal acesso facilitado levanta preocupações profundas: como essa exposição precoce e abundante afeta nossa percepção sobre o corpo, a sexualidade e, em especial, o papel e a dignidade das mulheres na sociedade?

 

Grande parte daquilo que é propagado pelo conteúdo pornográfico reforça a visão do corpo feminino como objeto de prazer e submissão masculinos. Esse tipo de representação, em que as mulheres frequentemente são colocadas em posições de extrema vulnerabilidade ou ainda sujeitas a agressões físicas e verbais, reforça uma cultura de desumanização. Segundo uma pesquisa publicada no National Library of Medicine, analisou-se o conteúdo de 304 cenas de vídeos pornográficos mais populares, evidenciando a frequência de atos violentos. Os resultados indicaram que 88% das cenas apresentavam agressão física e 49% agressão verbal; e as formas de violência mais comumente observadas foram espancamento (75%), engasgos durante a prática de sexo oral no homem (54%), insultos (49%), tapas (41%), puxões de cabelo (37%) e sufocamento (28%). Além disso, os perpetradores eram homens em 70% dos casos, e em 94% dos casos, as mulheres eram o alvo da agressão.

 

A ideia reforçada nesses vídeos é de que o corpo feminino está disponível para ser usado e explorado a qualquer momento, contribuindo para a construção de uma mentalidade que normaliza a violência e a falta de respeito pela integridade das mulheres — notadamente se praticada por um ou mais indivíduos homens. Considerando o fato de crianças e/ou pré-adolescentes já consumirem esse tipo de conteúdo e que, provavelmente, este é um dos primeiros contatos da maioria com o conceito de sexo, é esperado que tal conduta deturpada se torne uma convicção, reforçada a cada vídeo assistido, em suas mentes.

 

A exposição de jovens à pornografia como uma das primeiras referências sobre sexualidade gera uma percepção distorcida do que significa uma relação saudável e consensual. Meninos e meninas, em fase de formação de identidade, estão sendo expostos à uma visão cujo consentimento, respeito e prazer mútuo são, na maioria das vezes, subestimados, bem como ignorados. É evidente que produções pornográficas, em geral, retratam as mulheres como passivas, objetificadas e, muitas vezes, sujeitas a práticas que desconsideram seu bem-estar e vontades próprias. Essa representação, quando consumida de forma desmedida, contribui para a construção de relacionamentos desequilibrados, em que as mulheres são vistas como meros seres a serviço de desejos e fantasias alheias.

A reprodução desses padrões pode ser observada em relacionamentos adolescentes e até mesmo adultos, situações em que a pressão para imitar as práticas observadas na pornografia acaba sendo uma realidade para muitas mulheres. Na série “Euphoria”, essa realidade é demonstrada pela personagem Maddie, a qual consome pornografia e tenta reproduzir ao se relacionar sexualmente com outra pessoa — transformando-se em apenas um espetáculo para a provação masculina. Assim, a pornografia não apenas distorce a ideia de consentimento e reciprocidade nas relações íntimas, mas também planta a semente de expectativas irrealistas, contribuindo para a disseminação de comportamentos nocivos na vida real.

 

Ademais, consequências psicológicas para as atrizes que atuam nessa indústria são frequentemente ignoradas. Muitas relatam experiências de pressão e coerção para realizar cenas de violência física e psicológica, práticas que seriam inaceitáveis em outros contextos de trabalho. Em algumas cenas, simula-se — ou até se pratica — abuso real, transformando a dor e a humilhação feminina em um "espetáculo" para o público. No gênero amador, garotas recém completadas 18 anos são convencidas a entrar no mundo da pornografia com promessas de fama e dinheiro, mas, na realidade, a grande maioria desiste por não aguentar as violências e humilhações que sofrem em apenas um mês. Mesmo com a escolha de voltar atrás, os vídeos que gravaram continuam na internet, para sempre, e não há muito o que fazer.  

Fica que claro que, ao normalizar a desumanização do corpo feminino e transformar o sofrimento e a submissão em uma forma de entretenimento, a pornografia contribui para a perpetuação de uma cultura de violência e desigualdade. Esse tipo de conteúdo gera expectativas e comportamentos que minam a equidade de gênero e reforçam uma visão estigmatizada e sexualizada das mulheres. Em uma sociedade onde a luta pela igualdade e pelo respeito deve ser constante, é crucial refletir sobre o papel e as consequências da pornografia, de imediato. 

 

É urgente que a sociedade, em seus diferentes âmbitos e agentes, busque alternativas para a educação sexual, especialmente para as novas gerações, oferecendo uma visão mais saudável, respeitosa e consensual da sexualidade. É imprescindível também que a pornografia seja regulamentada, tanto em relação aos tipos de conteúdo produzidos quanto ao ambiente em que as filmagens ocorrem, além da condição de trabalho dos envolvidos. A construção de uma cultura que respeite a dignidade e o bem-estar das mulheres passa pela revisão de como o corpo feminino é retratado e, acima de tudo, pelo combate a padrões que perpetuam a violência e a desigualdade de gênero.

 

REFERÊNCIAS:

BAUMEL, C. P. C. et al.. Atitudes de Jovens frente à Pornografia e suas Consequências. Psico-USF, v. 24, n. 1, p. 131–144, jan. 2019.

D’ABREU, L. C. F.. Pornografia, desigualdade de gênero e agressão sexual contra mulheres. Psicologia & Sociedade, v. 25, n. 3, p. 592–601, 2013. 

SANCHES, D. Pornô aos 12; primeira transa aos 18: estudo mostra hábitos sexuais no país. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/12/23/porno-aos-12-e-masturbacao-semanal-estudo-aponta-habitos-sexuais.htm>. Acesso em: 4 nov. 2024.

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